segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Mais um Capitão.

SEI QUE VOU SOZINHO

Pouco tempo antes de Torquato acabar com sua agonia, em agosto de 1972, eu estive internado num hospital pra fazer um exame que requeria anestesia geral. Tudo porque cismei que estava com uma lesão no cérebro, estava obstinado em encontrar uma razão pra a agonia que me ia na alma. Pensava em suicídio com frequência patológica e tomava doses cavalares de tranquilizantes, remédios contra a depressão. Não achava que poderia continuar a viver e pedi a minha namorada, deixando por escrito, uma declaração em tom ridiculamente solene, em que pedia que se descobrissem algo incurável, um câncer, talvez, pedia encarecidamente que não me deixassem voltar da anestesia. Eu queria muito naquele instante me livrar daquela dor avassaladora – dor de simplesmente viver.

Isso me liga a Torquato – compreender em toda a extensão a dor que leva uma pessoa a dar cabo da própria vida. Esse é meu link com Torquato.

Mórbido, sim; mas extremamente verdadeiro, e urgente. E tão forte, em mim, que 30 anos depois ao realizar um filme de memórias, incluí aquela cena primordial pra a compreensão do drama de uma alma torturada. Quero render tributo ao poeta torquaturado através dessa geléia visual que ora se apresenta, dentro do projeto de Lucas Valadares, em Teresina. Lucas foi o ator que esteve na cama do hospital e descobriu o segredo da figueira seca. Será que isso basta?

Se não, digo que comecei a fazer filmes através do superoito, como aquele doce vampiro, e meus filmes terminaram me salvando de mim mesmo, com metáforas candentes sobre aquela dor desumana, sobre a merda, a porra, escatologia, irreverência, humor cáustico, desespero, Pasolini Teorema. E digo que há outras afinidades entre mim e o poeta, eu queria realizar o eu nunca mais vou voltar por aqui... outras... e viver tranquilamente todas as horas do fim, que já se estende demasiado. Continuo desafinando, sempre foi assim – o escândalo, a loucura santa, o deboche, sempre me atraíram. Mas acho que os filmes que andei fazendo durante esses quase 40 anos operaram em mim uma espécie de redenção pelo sacrifício, estou me curando de mim mesmo, aprendendo a conviver com o fato de que a solidão não é uma tragédia, que a vida pode ser até muito divertida. Despedir-me da dor infinita e do peso enorme do tremendo fardo invisível, gritar a plenos pulmões: abaixo a gravidade! – reagir.

Acho que se ele estivesse vivo teria driblado a morte, teria feito o mesmo. “Mas não vou lamentar o que nem sequer aconteceu; agradeço, mas prefiro recomeçar pelo recomeço”. Basta.

EDGARD NAVARRO

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